terça-feira, 29 de maio de 2012

MARLI

Por Antônio Nicodemo
Ator e dramaturgo
Twitter: @antonionicodemo

Enquanto tia Zezé ia e vinha, a pequena repetia para si mesma: “Fui esbofeteada”. Olhava para as primas sentadas na sua frente com caras de catequista.
Tia Zezé, irmã da mãe da menina, não conseguia sentar. Criou Marli desde “catatauzinha” era quase como uma mãe para a menina. Chorava feito louca por ter presenciado tamanha assombração.
Passava das dezessete horas e poucos minutos quando tia Zezé chegava em casa e assim que fechou e passou a chave na porta, ouviu pequenos e sufocados gritinhos agudos que vinham do fim do corredor e desciam a escada. Suou as mãos. Se fosse o que ela podia estar imaginando seria quase como um apocalipse.
Pois era. Marli estava peladinha da Silva em cima do namoradinho.
Tia Zezé mentiu, para si mesma e por alguns segundos, ser alguma espécie de delírio e transpirando feito louca entrou no quartinho forrado de papel de parede clarinho aos berros:
- Mais essa agora!
A menina, que parecia fazer do colo do namoradinho uma montaria começou a chorar:
-Tia Zezé! Perdão, Tia Zezé!
Esbofeteou a menina na frente do namoradinho, que ainda nu, chorava vendo a cena.
Pôs o menino pra fora. Jogou em Marli a manta da bisa que estava na poltrona e telefonou:
- Alô. Pois olha. Vem pra casa agora que Marli aprontou outra vez.
Olha só, Marli era daquelas meninas que quando tinha vontade, não passava. Tia Zezé enlouquecia quase que diariamente com as crises da menina.
Terminada a ligação, a velha senta na frente de Marli e desabafa:
- Não sei onde eu estava com a cabeça quando disse sim pra sua mãe. Deus a tenha. Já não me bastava o vexame de semana passada.
A titulo de informação, semana passada Marli enquanto brincava com as meninas no quintal durante a novena da Tia Nena, resolveu enfileirar as pequeninas e pulou de boca em boca dando nota para o beijo.  Tinha quatorze agora. Mas já gostava de dar notas desde os nove.
-Sua mãe se fosse viva, se matava. Repetia a tia enquanto engolia o choro.

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